Sobre carneiros e flores


No quinto dia, sempre graças ao carneiro, este segredo da vida do pequeno príncipe me foi de súbito revelado. Pergunto-me, sem preâmbulo, como se fora o fruto de um problema muito tempo meditado em silêncio:

- Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?
- Um carneiro come tudo que encontra.
- Mesmo as flores que tenham espinho?
- Sim. Mesmo as que têm.
- Então... para que servem os espinhos?
[...]
- Para que servem os espinhos?
O principezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse feito. Mas eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa:
- Espinho não serve para nada. São pura maldade das flores.
- Oh!
Mas após um silêncio, ele me disse com uma espécie de rancor:
- Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam terríveis com os seus espinhos...
[...]
- Há milhões e milhões de anos que as flores fabricam espinhos. Há milhões e milhões de anos que os carneiros as comem, apesar de tudo. E não será sério procurar compreender por que perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis? Não terá importância a guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas do tal sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode liquidar num só golpe, sem avaliar o que faz, - isto não tem importância?!
Corou um pouco, e continuou em seguida:
- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla. Ele pensa: "Minha flor está lá, nalgum lugar..." Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem! E isto não tem importância!
                     Trecho de "O Pequeno Príncipe" de Antoine de Saint-Exupéry

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